Na Birmania, ha' alturas do ano em que o calor e' de facto infernal, mesmo para os proprios birmaneses. No entanto para alguns, esse calor e' a fonte do seu ganha pao.
Um pouco por toda a cidade de Rangoon, encontram-se vendedores de "agua de gelo".
Quando a sede aperta, os vendedores de agua la' estao, dispostos e contentes para ajudarem a resolver o problema. Pela modica quantia duns tostoes, pode-se comprar um copo de agua de gelo (copo nao incluido).
A agua e' obtida a partir do descongelamento dum pedaco de gelo, previamente colocado num filtro (do genero dum filtro tradicional de cafe') e vai pingando, gota a gota para um copo. Antes de ser servida ao cliente, essa mesma agua e' passada varias vezes pelo pedaco de gelo, para resfriar mais um pouco. A higiene deixa muita a desejar, desde a origem do gelo, 'a propria agua utilizada e ao facto dos copos serem re-utilizados sem lavagem. Mas isso sao tudo requesitos desnecessarios para os sistemas imunologicos dos birmaneses, habituados 'as condicoes precarias que o país lhes oferece. O risco de contrair uma doenca, e' no entanto, enorme para um estrangeiro!
Para os mais abonados, uma alternativa mais doce, uma fatia de melancia ou um pouco mais caro, um sumo de melancia!
E para melhores resultados e' aconselhavel polvilhar (ou barrar) a cara com po' de tanaka (1), tal como a crianca na primeira foto e a senhora da segunda, pois para alem de refrescar absorvendo o suor, e' considerado um cosmetico natural, protector solar e replente de mosquitos!
(1) Genero de po' de talco, de cor amarelo palido, feito a partir da serradura da arvore Tanaka, abundante na floresta tropical da Birmania.
O fruto desta arvore tambem e' comestivel, e dado 'a sua forma (de maça) e ao seu gosto e consistencia (mais a madeira do que a maça), e' designado em ingles por "wood apple".
photos by Nic @ Rangoon, Burma - April 1998
Descriptions and impressions acquired when travelling abroad... As viagens aqui blogueadas, sao percursos fisicos e mentais, feitos fora da minha terra...
Friday, July 14, 2006
Tuesday, July 11, 2006
Abril em Rangoon
Aterramos em Rangoon, actualmente designada Yangon (1), capital da Birmania, em Abril de 1998.
De imediato nos foi bruscamente removido das bagagens, quaisquer associacoes entre Abril e Primavera, liberdade e democracia.
O simbolismo de Abril na Birmania, nao podia estar mais afastado, do simbolismo de Abril em Portugal. E estabelecer qualquer comparacao, seria descabido e surreal.
Abril em Rangoon, bem como no resto do país, queima como um inferno. O calor faz-se sentir com tal intensidade, que o país ja' de si quase parado, para na totalidade nas horas mais quentes do dia.
Aproveitando a referencia feita no post anterior ao romance de George Orwell, "Burmese Days", e 'a sua excelente capcidade de descrever o meio ambiente e de o transmitir ao leitor, destaco os seguintes enxertos, para deixar aqui uma ideia do clima na Birmania no mes de Abril:
"...the month was April, and there was a closeness in the air, a threat of the long, stifling midday hours."
"The heat rolled from the earth like the breath of an oven. The flowers, oppressive to the eyes, blazed with not a petal stirring, in a debauch of sun. The glare sent a weariness through one's bones. There was something horrible in it--horrible to think of that blue, blinding sky, stretching on and on over Burma and India, over Siam, Cambodia, China, cloudless and interminable."
"Look at that bloody sky, not a cloud in it. Like one of those damned great blue enamel saucepans."
" (2)...the sun glared in the sky like an angry god then suddenly the monsoon blew westward, first in sharp squalls, then in a heavy ceaseless downpour that drenched everything until neither one's clothes, one's bed nor even one's food ever seemed to be dry. It was still hot, with a stuffy, vaporous heat."
Tal como o calor, o governo tambem abrasa e queima quem discordar e nao cumprir com as regras da ditadura militar.
Os conceitos de democracia e liberdade na Birmania, sao infelizmente ja' de si dificeis de imaginar, pois oficialmente nem existem.
Estes sao os primeiros aspectos a nao passar despercebidos aos recem chegados. Para a agressevidade do clima, nao ha' sinais de aviso, mas para o clima politico, ha' um pouco por todo o lado, placards com slogans que servem para "educar" tanto os cidadaos como os eventuais visitantes que nao tenham logo compreedido onde se encontram.
- Oppose those relying on external elements, acting as stooges, holding negative views.
- Oppose those trying to jeopardize stability of the State and progress of the nation.
- Oppose foreign nations interfering in internal affairs of the State.
- Crush all internal and external destructive elements as the common enemy.
traducao livre:
- Opoem-te 'aqueles que se baseiam em elementos exteriores, procedem mal possuindo pontos de vista negativos;
- Opem-te 'aqueles que tentam minar a estabilidade do Estado e progresso da cao;
- Opem-te 'as nacoes estrangeiras que inteferem nos assuntos internos do Estado;
- Esmaga todos os elementos destrutivos, internos ou externos, considerados inimigos.
O isolamento da Birmania do resto do mundo, e' patente e a sensacao de se recuar no tempo e' estranhamente nao fantasia.
O "progresso" parou com a retirada dos colonialistas e nem a manutencao do que ja' existia se iniciou. A corrupcao da ditadura, cria pobreza.
A cal e o asfalto vao se degradando, consomindo as pessoas e infrastruturas ate' ao ultimo tijolo.
O comercio e' quase inexistente, para alem dos mercados e dos pequenos cantos de rua que vendem cha', frutas e agua de gelo.
O entretenimento era na altura proibido. Tinha recentemente fechado o unico pub "Johnny Guitar" que passava musica estrangeira e atraia turistas. Uma capital sem um bar, apenas os cantos de rua com pequenos bancos de plastico, serviam a local de encontro.
'A noite, as ruas ficam desertas e a escuridao e o silencio abatem-se sobre a cidade e os seus habitantes.
Os meios de transporte eram tambem muito rudimentares e inexistentes
sendo o caminhar o mais corrente deles todos.
Em vez de autocarros, eram as camionetas de carga apinhadas de gente
que serviam para transportar pessoas, nos percursos mais longos.
Rangoon e' apesar de tudo, uma cidade povoada de gente simpatica e humilde, visivelmente assustada pela propria tentacao de se aproximarem e falarem com turistas. A sensacao de "big brother is watching you" e' incrivel e visivelmente sentida, havendo mesmo teorias que defendem que George Orwell visualizou a Birmania de hoje, quando escreveu "1984".
Abril em Rangoon e' como todos os outros meses, sem liberdade e sem democracia apenas com uma pequena diferenca: Abril em Rangoon e' um mes que o sol imita o govermo, mirando ferozmente o povo como um deus enfurecido (2).
(1) Yangon e' formada por duas palavras "yan" que significa "inimigos" e "koun", "livrar-se de", o que em traducao livre para portugues, seria qualquer coisa como "Livrar-se de inimigos", o que pessoalmente acho um nome descabido para uma capital e por isso prefiro chamar-lhe Rangoon.
photos by Nic @ Rangoon, Burma - April 1998
De imediato nos foi bruscamente removido das bagagens, quaisquer associacoes entre Abril e Primavera, liberdade e democracia.
O simbolismo de Abril na Birmania, nao podia estar mais afastado, do simbolismo de Abril em Portugal. E estabelecer qualquer comparacao, seria descabido e surreal.
Abril em Rangoon, bem como no resto do país, queima como um inferno. O calor faz-se sentir com tal intensidade, que o país ja' de si quase parado, para na totalidade nas horas mais quentes do dia.
Aproveitando a referencia feita no post anterior ao romance de George Orwell, "Burmese Days", e 'a sua excelente capcidade de descrever o meio ambiente e de o transmitir ao leitor, destaco os seguintes enxertos, para deixar aqui uma ideia do clima na Birmania no mes de Abril:
"...the month was April, and there was a closeness in the air, a threat of the long, stifling midday hours."
"The heat rolled from the earth like the breath of an oven. The flowers, oppressive to the eyes, blazed with not a petal stirring, in a debauch of sun. The glare sent a weariness through one's bones. There was something horrible in it--horrible to think of that blue, blinding sky, stretching on and on over Burma and India, over Siam, Cambodia, China, cloudless and interminable."
"Look at that bloody sky, not a cloud in it. Like one of those damned great blue enamel saucepans."
" (2)...the sun glared in the sky like an angry god then suddenly the monsoon blew westward, first in sharp squalls, then in a heavy ceaseless downpour that drenched everything until neither one's clothes, one's bed nor even one's food ever seemed to be dry. It was still hot, with a stuffy, vaporous heat."
Tal como o calor, o governo tambem abrasa e queima quem discordar e nao cumprir com as regras da ditadura militar.
Os conceitos de democracia e liberdade na Birmania, sao infelizmente ja' de si dificeis de imaginar, pois oficialmente nem existem.
Estes sao os primeiros aspectos a nao passar despercebidos aos recem chegados. Para a agressevidade do clima, nao ha' sinais de aviso, mas para o clima politico, ha' um pouco por todo o lado, placards com slogans que servem para "educar" tanto os cidadaos como os eventuais visitantes que nao tenham logo compreedido onde se encontram.
- Oppose those relying on external elements, acting as stooges, holding negative views.
- Oppose those trying to jeopardize stability of the State and progress of the nation.
- Oppose foreign nations interfering in internal affairs of the State.
- Crush all internal and external destructive elements as the common enemy.
traducao livre:
- Opoem-te 'aqueles que se baseiam em elementos exteriores, procedem mal possuindo pontos de vista negativos;
- Opem-te 'aqueles que tentam minar a estabilidade do Estado e progresso da cao;
- Opem-te 'as nacoes estrangeiras que inteferem nos assuntos internos do Estado;
- Esmaga todos os elementos destrutivos, internos ou externos, considerados inimigos.
O isolamento da Birmania do resto do mundo, e' patente e a sensacao de se recuar no tempo e' estranhamente nao fantasia.
O "progresso" parou com a retirada dos colonialistas e nem a manutencao do que ja' existia se iniciou. A corrupcao da ditadura, cria pobreza.
A cal e o asfalto vao se degradando, consomindo as pessoas e infrastruturas ate' ao ultimo tijolo.
O comercio e' quase inexistente, para alem dos mercados e dos pequenos cantos de rua que vendem cha', frutas e agua de gelo.
O entretenimento era na altura proibido. Tinha recentemente fechado o unico pub "Johnny Guitar" que passava musica estrangeira e atraia turistas. Uma capital sem um bar, apenas os cantos de rua com pequenos bancos de plastico, serviam a local de encontro.
'A noite, as ruas ficam desertas e a escuridao e o silencio abatem-se sobre a cidade e os seus habitantes.
Os meios de transporte eram tambem muito rudimentares e inexistentes
sendo o caminhar o mais corrente deles todos.
Em vez de autocarros, eram as camionetas de carga apinhadas de gente
que serviam para transportar pessoas, nos percursos mais longos.
Rangoon e' apesar de tudo, uma cidade povoada de gente simpatica e humilde, visivelmente assustada pela propria tentacao de se aproximarem e falarem com turistas. A sensacao de "big brother is watching you" e' incrivel e visivelmente sentida, havendo mesmo teorias que defendem que George Orwell visualizou a Birmania de hoje, quando escreveu "1984".
Abril em Rangoon e' como todos os outros meses, sem liberdade e sem democracia apenas com uma pequena diferenca: Abril em Rangoon e' um mes que o sol imita o govermo, mirando ferozmente o povo como um deus enfurecido (2).
(1) Yangon e' formada por duas palavras "yan" que significa "inimigos" e "koun", "livrar-se de", o que em traducao livre para portugues, seria qualquer coisa como "Livrar-se de inimigos", o que pessoalmente acho um nome descabido para uma capital e por isso prefiro chamar-lhe Rangoon.
photos by Nic @ Rangoon, Burma - April 1998
Monday, July 10, 2006
Vêm aí dias na Birmânia
Nao, nao me referia 'a magnifica obra de George Orwell, "Burmese Days", mas ja' que lhe estou a emprestar o titulo e atendendo ao actual clima que se vive nas terras da sua magestade, aproveito para lhe fazer um pequeno apontamento e recomendar a sua leitura.
Em "Dias na Birmânia", Orwell retrata-nos a Birmania dos anos 30 do seculo XX, durante a ocupacao britanica, destacando o impacto do imperialismo na sociedade local. Esta obra ajuda-nos a compreender a Birmania (actualmente designada por Myanmar) de hoje bem como as actuais reaccoes menos nobres dum povo com um grande passado de domínio sobre outros.
"Os leitores de Kipling e seus heróis ingleses ou nativos nos países do Império Britânico devem ler esse romance de Orwell para descobrir a face menos gloriosa da dominação colonial - o preconceito, a mesquinhez, a arrogância de parte a parte."
Feitas as referencias merecidas por razoes opostas, regressamos ao titulo deste post e ‘a razao pela qual inicialmente, o tinha escrito. Inicia-se aqui uma serie de posts dedicada a Myanmar (ou Birmania, como eu lhe prefiro chamar).
Respondendo a mais uma sugestao do Swatch, recuei a Abril de 1998 e fui de novo ao bau das memorias para recordar, reviver e compartilhar aqui um pouco da Birmania que entao vi.
A tomada de decisao para se visitar a Birmania (país com longo historial de opressoes, passando de colonia a ditadura military), continua a ser polemica, ate' aos dias de hoje, na medida em que o turismo pode ser visto como um apoio ao actual regime. Nao discordando totalmente deste ponto de vista, penso que para penalizar o governo deste modo, boicotando quaisquer visitas ao país, penalizasse de forma mais intensa, o proprio povo que pode eventualmente beneficiar directamente da nossa presenca. A decisao e forma de agir cabe portanto a cada um. A minha foi de ir ver o que la' se passava.
Nos proximos posts veremos como o isolamento e opressao politica na Birmania, nos ilustra demasidamente bem o conceito de recuar no tempo.
Visitaremos Rangoon (ou Yangon como actualmente e' designada), a actual capital e observaremos o modo de vida humilde dos seus habitantes.
Subiremos lentamente e dificilmente um rio quase sem agua ate’ ao norte do país, ‘a regiao do Triangulo Dourado, onde assitiremos a auroras e a acasos que fazem juz ao nome da regiao. Vistaremos tambem a velha capital, Mandalay e a cidade dos templos perdidos, Pagan. Ai’, a beleza natural nos fara’ esquecer por momentos a precaria situacao deste povo que nos acolhe.
Mas esta alienação sera’ sempre por breves instantes, pois os olhares 'a nossa volta, lembram-nos constantemente a que ponto a opressao duma ditadura reduz um país. E tambem por isso, nao nos passara’ despercebida a forma como este povo aceita a sua pobreza, como se a alternativa nao existisse, procurando alimento e refugio na religiao budista e razao de viver na sua riqueza cultural.
Para impedir que a educacao faça acordar o comformismo, o governo manda encerrar as escolas. E assim, neste ambiente abusivo, mais uma vez se distinguem os pequenos herois e veremos como eles sao obrigados a lutar cedo demais apenas pela sua sobrevivencia. A eles, cujas infancias lhes sao prematuramente roubadas, dedico-lhes esta serie sobre a Birmania - um país amordaçado pela voz da propaganda!
1a photo daqui, 2a photo daqui.
Restantes fotos by Nic @ Myanmar - April 1998
Em "Dias na Birmânia", Orwell retrata-nos a Birmania dos anos 30 do seculo XX, durante a ocupacao britanica, destacando o impacto do imperialismo na sociedade local. Esta obra ajuda-nos a compreender a Birmania (actualmente designada por Myanmar) de hoje bem como as actuais reaccoes menos nobres dum povo com um grande passado de domínio sobre outros.
"Os leitores de Kipling e seus heróis ingleses ou nativos nos países do Império Britânico devem ler esse romance de Orwell para descobrir a face menos gloriosa da dominação colonial - o preconceito, a mesquinhez, a arrogância de parte a parte."
Feitas as referencias merecidas por razoes opostas, regressamos ao titulo deste post e ‘a razao pela qual inicialmente, o tinha escrito. Inicia-se aqui uma serie de posts dedicada a Myanmar (ou Birmania, como eu lhe prefiro chamar).
Respondendo a mais uma sugestao do Swatch, recuei a Abril de 1998 e fui de novo ao bau das memorias para recordar, reviver e compartilhar aqui um pouco da Birmania que entao vi.
A tomada de decisao para se visitar a Birmania (país com longo historial de opressoes, passando de colonia a ditadura military), continua a ser polemica, ate' aos dias de hoje, na medida em que o turismo pode ser visto como um apoio ao actual regime. Nao discordando totalmente deste ponto de vista, penso que para penalizar o governo deste modo, boicotando quaisquer visitas ao país, penalizasse de forma mais intensa, o proprio povo que pode eventualmente beneficiar directamente da nossa presenca. A decisao e forma de agir cabe portanto a cada um. A minha foi de ir ver o que la' se passava.
Nos proximos posts veremos como o isolamento e opressao politica na Birmania, nos ilustra demasidamente bem o conceito de recuar no tempo.
Visitaremos Rangoon (ou Yangon como actualmente e' designada), a actual capital e observaremos o modo de vida humilde dos seus habitantes.
Subiremos lentamente e dificilmente um rio quase sem agua ate’ ao norte do país, ‘a regiao do Triangulo Dourado, onde assitiremos a auroras e a acasos que fazem juz ao nome da regiao. Vistaremos tambem a velha capital, Mandalay e a cidade dos templos perdidos, Pagan. Ai’, a beleza natural nos fara’ esquecer por momentos a precaria situacao deste povo que nos acolhe.
Mas esta alienação sera’ sempre por breves instantes, pois os olhares 'a nossa volta, lembram-nos constantemente a que ponto a opressao duma ditadura reduz um país. E tambem por isso, nao nos passara’ despercebida a forma como este povo aceita a sua pobreza, como se a alternativa nao existisse, procurando alimento e refugio na religiao budista e razao de viver na sua riqueza cultural.
Para impedir que a educacao faça acordar o comformismo, o governo manda encerrar as escolas. E assim, neste ambiente abusivo, mais uma vez se distinguem os pequenos herois e veremos como eles sao obrigados a lutar cedo demais apenas pela sua sobrevivencia. A eles, cujas infancias lhes sao prematuramente roubadas, dedico-lhes esta serie sobre a Birmania - um país amordaçado pela voz da propaganda!
1a photo daqui, 2a photo daqui.
Restantes fotos by Nic @ Myanmar - April 1998
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